Por Weslei Candido
Senti o sangue escorrer quente pelo canto a boca. O ouvido zunia e a minha cabeça rodava violentamente. Ao meu redor uns 100 alunos gritavam, uivavam e aplaudiam. Eu tinha sido atingido em cheio por um murro que me desconcertou. O agressor gozava de todas as prerrogativas de campeão e sua matilha cantava hinos de louvor à sua bravura.
Minha vida se tornara um tormento desde que me transferiram para o período da manhã. Neste horário, na escola, estudavam os melhores alunos, e também os mais abastados da sociedade. Logo percebi que minha condição social seria um obstáculo difícil de superar.
Todas as manhãs, na hora do intervalo, lá estava eu, um boneco pronto para ser espancado, gritado, vaiado. Tudo faziam para ver minha reação e quando eu reagia, logo um soco voava de qualquer dos cantos da escola e me atingia o rosto, o estômago ou meus olhos.
Para minha surpresa fiz alguns amigos, uns riquinhos deslocados que não se encaixavam no ideal modelo de branco, loiro e de olhos claros. Excluídos, eles me faziam companhia, me seduziam com bolachas recheadas para que os acompanhassem até suas casas. Após o percurso, eu estava liberado para voltar a minha casa.
Chegava tarde em casa, levava bronca, comia o almoço frio para evitar o gasto a mais de gás e ficava aguardando o momento que meu suplício começaria novamente. Estava em casa, mas ruminava um silencioso ódio que me corroía, Apelar ao meu pai não podia: afinal se soubesse que eu apanhava na rua, apanharia em casa para aprender a ser homem.
O aluno brilhante que fora transferido para a manhã logo desapareceu, as notas desabaram, os cadernos começaram a ficar em branco e os problemas de disciplina brotaram ao montes.
O sistema me havia vencido. As convocações para que meus pais comparecessem à escola aumentavam. Eu assinava os bilhetes e dizia que eles não podiam comparecer, pois estavam no trabalho. Até que um dia mandaram o bilhete pelo meu irmão mais velho que estudava no período da tarde. Foi com prazer que ele entregou o bilhete aos meus pais, que logo me intimaram a dar explicações.
Resultado: parei de apanhar dos alunos ricos da escola. Na mesma semana estava entre os meus colegas do período da tarde. Voltei aos pobres, aos irmãos de sofrimento, que iam à escola como eu, apenas para comer a merenda. Ali voltei a ter boas notas e meu ouvido não zunia mais como sinos a badalar todas as manhãs.
Assim, foi como a escola me recebeu, primeiro como aluno pobre acima da média, depois como estorvo para o comportamento dos alunos da manhã e, por fim, me abriu as portas de novo para o período da tarde. Ali eu reinava, ali eu era rei e as pancadas eram um passado doloroso para se esquecer assim facilmente. Por anos alimentei sentimentos de vingança, todos frustrados conforme eu crescia, eles pareciam inatingíveis e eu era ainda o garoto contra quem eles se divertiam treinando as pancadas que dariam nos outros na vida adulta.
Enfim, minha vingança foi crescer, me fazer homem de relativo sucesso e deixá-los afundados em suas pequenas vidas medíocres na cidade onde eu nasci. Que ali jazam em paz.
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